Acadêmico: Rubens
Rodrigues*
RESUMO:
Jacques Maritain
na obra “Humanismo integral” apresenta uma problemática concernente ao reino de
Deus. Ele problematiza as formas como esse conceito é compreendido na
contemporaneidade e apresenta sua perspectiva filosófico-teológica sobre o
mesmo. O objetivo da comunicação é apresentar essa problemática e a forma como
o autor estabelece a posição correta que o cristão deve assumir a fim de
vivenciar o Reino de Deus. Segundo Maritain o Reino de Deus se intitula como
ambivalência do mundo para o cristão, uma vez que ele vive na alternância entre
as escolhas que o levam para o bem (Deus) ou para o mal (Diabo). Esta dualidade
é uma característica necessária, uma
vez que o dever primeiro do cristão em relação à finalidade que se propõe é já
aqui na cidade temporal estabelecer os meios necessários para o definitivo
Reino de Deus, e isso será possível por meio da valorização da pessoa humana
como detentora e merecedora de amor, de justiça social e de fraternidade
amorosa. Os cristãos chegarão à esta compreensão quando forem estabelecidos os
caminhos ditos errôneos para o Reino de Deus. Logo, falar-se sobre os conceitos
de satanocrático, ou seja, o Reino
onde o homem está abandonado sem a dignidade da graça e, portanto, vivendo a
experiência da não salvação, ele vive sob o jugo do diabo. Em seguida fala-se
sobre o reino teofânico (compreensão
ocidental) e teocrático (compreensão
oriental) e, por fim, falar-se-á sobre o reino do homem, concepção moderna que
abarca em si as potencialidades de um abandono definitivo de qualquer
perspectiva transcendente, o homem está assim num império de si mesmo, num
abandono das questões absolutas. Conclui-se com a concepção Maritiana de Reino
de Deus.
INTRODUÇÃO
O
Presente trabalho toma como base a compreensão do filósofo francês Jacques
Maritain (nasceu
em 18 de novembro de 1882 em Paris e faleceu em 28 de abril de 1973 em Tolosa)
a respeito da concepção de reino de Deus tida no decurso histórico
a partir do inicio da cristandade até a modernidade. O mesmo filósofo aponta
aqui, depois de elencados os erros concernentes às concepções constituintes a
respeito do reino de Deus, a
compreensão dita correta pelo cristão.
O
presente trabalho quer trazer o pensamento filosófico- teológico quanto da
abordagem de Maritain a esse respeito, e, sobretudo como se posiciona o homem nessas interpretações, ele quer
apontar o caminho correto de interpretação do reino de Deus que um cristão tem
que percorrer e para isso ser esclarecido com maior intento, à obra base dele
usada aqui é Humanismo integral, não
sendo a sua principal obra, mas a mais conhecida com certeza!
Para
se estabelecer uma noção do percurso desejado nesse trabalho, é interessante
colocar em pauta desde já a verdadeira posição do cristão diante da concepção
que deva ter de reino de Deus: o reino de Deus para ele se dá numa ambivalência do mundo. Mas para se
entender esse ponto a que se quer chegar é necessário apontar as problemáticas
quanto ao problema do reino de Deus.
Conscientes
disso, portanto, verifica-se que o problema do Reino de Deus tratado por
Jacques Maritain gira em torno das várias concepções que se estabeleceram no
decurso histórico a seu respeito. Quanto a isso, ele distingue três concepções
clássicas: A “Primeira é a do Reino de Deus, cidade ao mesmo tempo terrestre e sagrada, da qual é Deus o
rei e está todo em todos”; uma “segunda noção é a da Igreja, crisálida desse
reino; substancialmente ela já é esse reino, existente e vivo, mas peregrinal e
velado; seu fim é a vida eterna, ela está no tempo, mas não é do tempo.” E uma
terceira noção que é a do mundo, da cidade profana, seu fim é a cidade temporal
da multidão humana, o mundo está no tempo e é do tempo, o diabo tem parte
nele”.[1]
Mas
essas concepções abrem-nos à mente três problemas ao que se refere pensar o mundo e a cidade terrestre em relação ao reino de Deus. A primeira concepção
errônea se refere a pensar um mundo e uma política referencialmente satanocráticos; A segunda está em
pensa-lo como teofânico e/ou teocrático e a terceira está em pensar
no tempo e cidade terrestre pura e simplesmente a cidade do homem, poderia
dizer que o mais graves dos problemas, pois este tem como ponto principal o
abandono aos aspectos transcendentes pertencentes a toda história humana, mas
esses erros terão características expostas de forma mais clara no
desenvolvimento deste trabalho.
1.
Erros
referentes ao problema do reino de Deus:
1.1.
Primeiro erro: o reino satanocrático
O primeiro
erro se qualifica quanto da concepção tendenciosa, sobretudo por certos
extremistas do inicio do Cristianismo. É interpretado por eles um mundo e uma
política ditos satanocráticos, ou
seja, neles se constitui que o mundo e a cidade terrestre são estritamente um
reino de Satã. Essa concepção, segundo Maritain, voltou com a Reforma
Protestante, pois, alguns teólogos desta corrente religiosa, voltam a conceber
o mundo como não salvo e com isso, se estabelece também que o homem não é
intrinsecamente justificado e se volta a encarar definitivamente a natureza
deste como totalmente abandonada por Deus sob comando do chamado principado do
Diabo.
Por
outro lado, em certo naturalismo ou racionalismo católico, como o designa
Maritain, representados por Descartes e Maquiavel, esse resultado é o mesmo,
mas a via de acesso a ele está no separatismo,
quando estes estabelecem uma cisão entre natureza e graça. A natureza com isso
passa a ser um mundo completamente fechado, abandonado às suas únicas forças.[2]
Há,
pois, com essas duas noções satanocráticas,
uma recusa ao mundo da destinação à graça de Deus. A redenção está com essa
concepção restrita ao “império das almas e à ordem moral” Mas, essa concepção é
condenada pela cristandade já que há nela a noção de Cristo como salvador do
mundo.[3]
Deste modo, é impossível para o cristão conceber essa separação entre natureza
e graça, pois toda demonstração de eficácia destas duas se encontra no Cristo.
1.2.
Segundo erro: reino teofânico e/ou teocrático
O
segundo erro a respeito da concepção do reino de Deus refere-se às visões
também antigas dos dois polos continentais do mundo. A visão Ocidental é de que
ele se denomina como teofânico.[4] A
visão Oriental estabelece este reino como teocrático.[5] A
constituição destas concepções especifica que, como diz Maritain:
Não somente o mundo
é salvo em esperança, mas se acredita que é preciso, - na medida em que se
efetua nele a redenção, - na medida em que existência temporal apareça como já
real e plenamente salvo, - como o reino de Deus; - e, então, aqui se desespera
dele inteiramente porque isto não se realizou e lá se confia demasiado nele,
para que venha a realizar-se.[6]
A concepção teofânica Oriental ganhou em seu percurso histórico caracteres
místicos, mas os hereges místicos que pensavam assim compreendiam essa
divinização da vida como uma fuga dos deveres de cumprimento das leis, não
querendo ser servidores destas e também de qualquer aspecto da dimensão
racional.
A
propósito da concepção teocrática, referente
ao Ocidente, suas estruturas ganharam caracteres de cunho político, cujas
perspectivas eram de dar, como exigência ao mundo e a cidade política, uma
efetiva realização ao que se refere o reino de Deus. Neste caso verifica-se
como característica certa utopia teocrática.
Há
nessa concepção certa disputa entre mundo e Igreja, pois estes ocupam o mesmo
terreno histórico ao que se refere à história do mundo e a história santa. Já que, segundo essa concepção, tanto
a terra como o universo tem que passar sob o comando do governo político de
Deus. O homem, assim sendo, está numa intrínseca subordinação universal e,
portanto, a felicidade do mundo está nos meios políticos.
Esse
erro teocrático corresponde à “Lenda
do grande Inquisidor” de Dostoiewsky, cuja temática
central é o parricídio ou a morte de todo absoluto. E com esse litígio
estabelecido com o sobrenatural, Deus passa a ser acusado de conferir aos seres
humanos a liberdade, mesmo sabendo que estes acabam trocando-a por garantias.[7]
1.3.Terceiro erro: reino do homem
O terceiro erro concernente ao reino de Deus refere-se à
modernidade, desde a época renascentista, cujo pensamento tem a tendência de
“ver no tempo e na cidade terrestre pura e simplesmente o reino do homem e da
natureza pura, sem nenhuma relação com o sagrado nem com a destinação
sobrenatural, nem com Deus nem com o diabo”.[8]
É, pois na modernidade que os traços de um antropocentrismo são estabelecidos
com mais eficácia e este em detrimento de toda ligação transcendente.
Com o estabelecimento desse humanismo separatista, a história passou a ser dirigida para o
reino da pura humanidade e como
designa Augusto Comte referindo-o como uma laicização do reino de Deus. Como
especifica Maritain, este é um erro condenado pela palavra evangélica quando
Jesus diz que “não vive o homem somente de pão, mas de toda palavra que sai da
boca de Deus”. Esse erro carrega em sim um fim abstrato e fictício, ele é
utópico, não é, portanto realizável.[9]
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Um mundo
ambivalente
Diante dos erros levantados, o autor estabelece a posição
dita correta na compreensão cristã concernente ao reino de Deus. Diz Maritain: “Para o cristianismo, a
verdadeira doutrina do mundo e da cidade temporal, é que são o reino ao mesmo
tempo do homem, de Deus e do diabo.”[10]
O mundo é apresentado assim numa ambiguidade essencial, ele é ambivalente. Este é um Campo comum aos
três, tanto ao homem, quanto a Deus e ao diabo. O mundo é, portanto, “um campo
fechado”, cuja pertença é por direito de Deus, já que este o criou, o diabo tem
direito nele por tê-lo conquistado em virtude do pecado e ao Cristo por direito
de vitória sobre o diabo, o dito primeiro conquistador. O direito de pertença
de Jesus a este se deu pela sua paixão.
O que cabe ao Cristão diante disso? A tarefa do cristão no
mundo é a de...
...disputar
ao diabo seu domínio e arrancá-lo a ele. Deve esforçar-se nisso e só em parte
conseguirá enquanto durar o tempo. O mundo é salvo, sim, é libertado em
esperança, está em marcha para o reino de Deus; mas não é santo, a Igreja que é
santa; está em caminho do reino de Deus e é por isso que é uma traição a este
reino não querer de todas as forças – proporcionada às condições da história
terrestre, mas tão efetiva quanto possível [...] uma realização, ou, mais
exatamente uma refração no mundo das exigências evangélicas; entretanto esta
realização, mesmo relativa, será sempre, de uma maneira ou de outra, deficiente
e contestada no mundo.[11]
Cabe
à compreensão da determinação evangélica que o mundo está em processo de
santificação, e isto vai se dando à medida que este não é somente mundo, mas
está incorporado no universo da Encarnação. A condenação deste mundo se
estabelece à medida que ele é recolhido em si mesmo, ou seja, na medida em que
se prevalecem apenas seus caracteres subjetivos, separando-se do universo da
Encarnação.
Encarando a história da Igreja como história
da verdade, designada assim por Pascal, e de via de condução ao reino de Deus
como definitivamente revelado e que só nele tem seu “termo final”, percebe-se
claramente que esta se encontra baseadamente oposta à cidade temporal, pois, a
cidade temporal é de pertença dividida, pois ela, em sua condução ao fim
ultimo, leva o homem ao mesmo tempo para o que se denomina reino da perdição e
também o reino de Deus.[12]
A
compreensão da ambivalência do mundo na
história, não pode ser desfigurada. Ela tem a função de comunicar que ao
mesmo tempo o mundo goza de duas pertenças.
A função do diabo aqui se interpreta com caracteres da não valorização
do homem como pessoa humana e merecedor de dignidade. Na interpretação da
expressão de Jesus a respeito dos pobres deste mundo, que sempre existirão, não
é no aspecto de uma classe social apenas que se verifica a constatação de
Jesus, “são os homens que necessitam de outrem para subsistência, quaisquer que
sejam a natureza, a origem e a causa da indigência.”[13]
O desejo, portanto, é estabelecer uma busca de
amor aonde se encontrarem pessoas em opressão, pois ao que se diz da
ambivalência fatal da cidade temporal diz-se que o cristão deve esforçar-se a
cada instante numa realização neste mundo das verdades evangélicas. Um estado
de tensão e de guerras será sempre importante, pois ao que se propõe o cristão,
nunca será suficiente transfigurar e progredir às condições de vida e nessa
condição é que a história temporal prepara enigmaticamente a sua finalidade, ou
seja, o fim a que deseja chegar.[14]
Quanto
do estabelecimento da verdade do que foi dito aqui, verifica-se que o fim do
cristão, quanto àquilo que ele se propõe na cidade temporal, não se especifica
em “fazer do próprio mundo a cidade de Deus, é antes fazer deste mundo, segundo
o ideal histórico reclamado pelas diferentes eras e, [...] pelas suas mutações
a sede de uma vida terrestre verdadeiramente e plenamente humana.” [15]
Assim se perceberá uma riqueza de amor, de uma sociabilidade justa, de uma
pessoa humana enxergada como tal e de uma fraternidade amorosa, tudo isso em
virtude da preparação do “advento do reino de Deus de maneira filial e não
servil.”[16]
Referencias bibliográficas:
MARITAIN,
Jacques. Humanismo integral. Companhia
Editora Nacional: São Paulo. 5 ed. Trad: Afrânio Coutinho. 1965, p.79-88.
ABBAGANO,
Nicola. Dicionário de filosofia.
Martins fontes: São Paulo. p.
949.
SAKAMOTO, Jacqueline. O silêncio de Deus na Lenda do
Grande Inquisidor, de Dostoievski. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/index.php/artigos/o-silencio-de-deus-na-lenda-do-grande-inquisidor-de-dostoievski/>. Acesso em 16 de setembro de
2012.
Sugestão de leitura:
SAMPAIO, Laura
Fraga de Almeida. Intuição na filosofia
de Jacques Maritain. Loyola: São Paulo. 1997.
[1]
MARITAIN, Jacques. Humanismo Integral. p.
80-81.
[2] Cf.: Idem. p. 82.
[3] Cf.: Idem. p. 82.
[4] Termo que significa “visão de
Deus” usado por Scotus Erigena (sec. IX) para indicar o mundo como manifestação
de Deus através do amor. Segundo ele, esse termo designa o processo de descida
de Deus ao homem através da criação e de retorno do homem a Deus através do
amor. (Cf.: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário
de Filosofia. p. 949.)
[5] O termo teocracia designa um regime político em que o governo é exercido
pela casta sacerdotal, deste modo constitui-se como um regime político de
supremacia eclesiástica. (Cf.: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 949.)
[6] MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. p. 83.
[7]Cf.: SAKAMOTO,
Jacqueline. O silêncio de Deus na Lenda do
Grande Inquisidor, de Dostoievski. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/index.php/artigos/o-silencio-de-deus-na-lenda-do-grande-inquisidor-de-dostoievski/>. Acesso em 16 de setembro de
2012.
[8] MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. p. 85.
[9] Idem. p. 85.
[12] Cf.: Idem. p. 87.
[14] Cf.: Idem. p. 88.
[15] Idem. p. 88.
[16] Idem. p. 87.
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