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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O PROBLEMA DO REINO DE DEUS NA OBRA “HUMANISMO INTEGRAL” DE JACQUES MARITAIN





                                                                                                Acadêmico: Rubens Rodrigues*
                   Orientadora: Profa. Dra. Maria Celeste de Sousa
RESUMO:
Jacques Maritain na obra “Humanismo integral” apresenta uma problemática concernente ao reino de Deus. Ele problematiza as formas como esse conceito é compreendido na contemporaneidade e apresenta sua perspectiva filosófico-teológica sobre o mesmo. O objetivo da comunicação é apresentar essa problemática e a forma como o autor estabelece a posição correta que o cristão deve assumir a fim de vivenciar o Reino de Deus. Segundo Maritain o Reino de Deus se intitula como ambivalência do mundo para o cristão, uma vez que ele vive na alternância entre as escolhas que o levam para o bem (Deus) ou para o mal (Diabo). Esta dualidade é uma característica necessária, uma vez que o dever primeiro do cristão em relação à finalidade que se propõe é já aqui na cidade temporal estabelecer os meios necessários para o definitivo Reino de Deus, e isso será possível por meio da valorização da pessoa humana como detentora e merecedora de amor, de justiça social e de fraternidade amorosa. Os cristãos chegarão à esta compreensão quando forem estabelecidos os caminhos ditos errôneos para o Reino de Deus. Logo, falar-se sobre os conceitos de satanocrático, ou seja, o Reino onde o homem está abandonado sem a dignidade da graça e, portanto, vivendo a experiência da não salvação, ele vive sob o jugo do diabo. Em seguida fala-se sobre o reino teofânico (compreensão ocidental) e teocrático (compreensão oriental) e, por fim, falar-se-á sobre o reino do homem, concepção moderna que abarca em si as potencialidades de um abandono definitivo de qualquer perspectiva transcendente, o homem está assim num império de si mesmo, num abandono das questões absolutas. Conclui-se com a concepção Maritiana de Reino de Deus.

INTRODUÇÃO
O Presente trabalho toma como base a compreensão do filósofo francês Jacques Maritain (nasceu em 18 de novembro de 1882 em Paris e faleceu em 28 de abril de 1973 em Tolosa)  a respeito da concepção de reino de Deus tida no decurso histórico a partir do inicio da cristandade até a modernidade. O mesmo filósofo aponta aqui, depois de elencados os erros concernentes às concepções constituintes a respeito do reino de Deus, a compreensão dita correta pelo cristão.

O presente trabalho quer trazer o pensamento filosófico- teológico quanto da abordagem de Maritain a esse respeito, e, sobretudo como se posiciona o homem nessas interpretações, ele quer apontar o caminho correto de interpretação do reino de Deus que um cristão tem que percorrer e para isso ser esclarecido com maior intento, à obra base dele usada aqui é Humanismo integral, não sendo a sua principal obra, mas a mais conhecida com certeza!

Para se estabelecer uma noção do percurso desejado nesse trabalho, é interessante colocar em pauta desde já a verdadeira posição do cristão diante da concepção que deva ter de reino de Deus: o reino de Deus para ele se dá numa ambivalência do mundo. Mas para se entender esse ponto a que se quer chegar é necessário apontar as problemáticas quanto ao problema do reino de Deus.

Conscientes disso, portanto, verifica-se que o problema do Reino de Deus tratado por Jacques Maritain gira em torno das várias concepções que se estabeleceram no decurso histórico a seu respeito. Quanto a isso, ele distingue três concepções clássicas: A “Primeira é a do Reino de Deus, cidade ao mesmo tempo terrestre e sagrada, da qual é Deus o rei e está todo em todos”; uma “segunda noção é a da Igreja, crisálida desse reino; substancialmente ela já é esse reino, existente e vivo, mas peregrinal e velado; seu fim é a vida eterna, ela está no tempo, mas não é do tempo.” E uma terceira noção que é a do mundo, da cidade profana, seu fim é a cidade temporal da multidão humana, o mundo está no tempo e é do tempo, o diabo tem parte nele”.[1]

Mas essas concepções abrem-nos à mente três problemas ao que se refere pensar o mundo e a cidade terrestre em relação ao reino de Deus. A primeira concepção errônea se refere a pensar um mundo e uma política referencialmente satanocráticos; A segunda está em pensa-lo como teofânico e/ou teocrático e a terceira está em pensar no tempo e cidade terrestre pura e simplesmente a cidade do homem, poderia dizer que o mais graves dos problemas, pois este tem como ponto principal o abandono aos aspectos transcendentes pertencentes a toda história humana, mas esses erros terão características expostas de forma mais clara no desenvolvimento deste trabalho.

1.      Erros referentes ao problema do reino de Deus:

1.1. Primeiro erro: o reino satanocrático
O primeiro erro se qualifica quanto da concepção tendenciosa, sobretudo por certos extremistas do inicio do Cristianismo. É interpretado por eles um mundo e uma política ditos satanocráticos, ou seja, neles se constitui que o mundo e a cidade terrestre são estritamente um reino de Satã. Essa concepção, segundo Maritain, voltou com a Reforma Protestante, pois, alguns teólogos desta corrente religiosa, voltam a conceber o mundo como não salvo e com isso, se estabelece também que o homem não é intrinsecamente justificado e se volta a encarar definitivamente a natureza deste como totalmente abandonada por Deus sob comando do chamado principado do Diabo.

Por outro lado, em certo naturalismo ou racionalismo católico, como o designa Maritain, representados por Descartes e Maquiavel, esse resultado é o mesmo, mas a via de acesso a ele está no separatismo, quando estes estabelecem uma cisão entre natureza e graça. A natureza com isso passa a ser um mundo completamente fechado, abandonado às suas únicas forças.[2]  
  
Há, pois, com essas duas noções satanocráticas, uma recusa ao mundo da destinação à graça de Deus. A redenção está com essa concepção restrita ao “império das almas e à ordem moral” Mas, essa concepção é condenada pela cristandade já que há nela a noção de Cristo como salvador do mundo.[3] Deste modo, é impossível para o cristão conceber essa separação entre natureza e graça, pois toda demonstração de eficácia destas duas se encontra no Cristo.

1.2. Segundo erro: reino teofânico e/ou teocrático
O segundo erro a respeito da concepção do reino de Deus refere-se às visões também antigas dos dois polos continentais do mundo. A visão Ocidental é de que ele se denomina como teofânico.[4] A visão Oriental estabelece este reino como teocrático.[5] A constituição destas concepções especifica que, como diz Maritain:
Não somente o mundo é salvo em esperança, mas se acredita que é preciso, - na medida em que se efetua nele a redenção, - na medida em que existência temporal apareça como já real e plenamente salvo, - como o reino de Deus; - e, então, aqui se desespera dele inteiramente porque isto não se realizou e lá se confia demasiado nele, para que venha a realizar-se.[6]

 A concepção teofânica Oriental ganhou em seu percurso histórico caracteres místicos, mas os hereges místicos que pensavam assim compreendiam essa divinização da vida como uma fuga dos deveres de cumprimento das leis, não querendo ser servidores destas e também de qualquer aspecto da dimensão racional.

A propósito da concepção teocrática, referente ao Ocidente, suas estruturas ganharam caracteres de cunho político, cujas perspectivas eram de dar, como exigência ao mundo e a cidade política, uma efetiva realização ao que se refere o reino de Deus. Neste caso verifica-se como característica certa utopia teocrática.

Há nessa concepção certa disputa entre mundo e Igreja, pois estes ocupam o mesmo terreno histórico ao que se refere à história do mundo e a história santa. Já que, segundo essa concepção, tanto a terra como o universo tem que passar sob o comando do governo político de Deus. O homem, assim sendo, está numa intrínseca subordinação universal e, portanto, a felicidade do mundo está nos meios políticos.

Esse erro teocrático corresponde à “Lenda do grande Inquisidor” de Dostoiewsky, cuja temática central é o parricídio ou a morte de todo absoluto. E com esse litígio estabelecido com o sobrenatural, Deus passa a ser acusado de conferir aos seres humanos a liberdade, mesmo sabendo que estes acabam trocando-a por garantias.[7]

1.3.Terceiro erro: reino do homem
O terceiro erro concernente ao reino de Deus refere-se à modernidade, desde a época renascentista, cujo pensamento tem a tendência de “ver no tempo e na cidade terrestre pura e simplesmente o reino do homem e da natureza pura, sem nenhuma relação com o sagrado nem com a destinação sobrenatural, nem com Deus nem com o diabo”.[8] É, pois na modernidade que os traços de um antropocentrismo são estabelecidos com mais eficácia e este em detrimento de toda ligação transcendente.

Com o estabelecimento desse humanismo separatista, a história passou a ser dirigida para o reino da pura humanidade e como designa Augusto Comte referindo-o como uma laicização do reino de Deus. Como especifica Maritain, este é um erro condenado pela palavra evangélica quando Jesus diz que “não vive o homem somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Esse erro carrega em sim um fim abstrato e fictício, ele é utópico, não é, portanto realizável.[9]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um mundo ambivalente
Diante dos erros levantados, o autor estabelece a posição dita correta na compreensão cristã concernente ao reino de Deus.  Diz Maritain: “Para o cristianismo, a verdadeira doutrina do mundo e da cidade temporal, é que são o reino ao mesmo tempo do homem, de Deus e do diabo.”[10] O mundo é apresentado assim numa ambiguidade essencial, ele é ambivalente. Este é um Campo comum aos três, tanto ao homem, quanto a Deus e ao diabo. O mundo é, portanto, “um campo fechado”, cuja pertença é por direito de Deus, já que este o criou, o diabo tem direito nele por tê-lo conquistado em virtude do pecado e ao Cristo por direito de vitória sobre o diabo, o dito primeiro conquistador. O direito de pertença de Jesus a este se deu pela sua paixão.

O que cabe ao Cristão diante disso? A tarefa do cristão no mundo é a de...
...disputar ao diabo seu domínio e arrancá-lo a ele. Deve esforçar-se nisso e só em parte conseguirá enquanto durar o tempo. O mundo é salvo, sim, é libertado em esperança, está em marcha para o reino de Deus; mas não é santo, a Igreja que é santa; está em caminho do reino de Deus e é por isso que é uma traição a este reino não querer de todas as forças – proporcionada às condições da história terrestre, mas tão efetiva quanto possível [...] uma realização, ou, mais exatamente uma refração no mundo das exigências evangélicas; entretanto esta realização, mesmo relativa, será sempre, de uma maneira ou de outra, deficiente e contestada no mundo.[11] 

Cabe à compreensão da determinação evangélica que o mundo está em processo de santificação, e isto vai se dando à medida que este não é somente mundo, mas está incorporado no universo da Encarnação. A condenação deste mundo se estabelece à medida que ele é recolhido em si mesmo, ou seja, na medida em que se prevalecem apenas seus caracteres subjetivos, separando-se do universo da Encarnação.

 Encarando a história da Igreja como história da verdade, designada assim por Pascal, e de via de condução ao reino de Deus como definitivamente revelado e que só nele tem seu “termo final”, percebe-se claramente que esta se encontra baseadamente oposta à cidade temporal, pois, a cidade temporal é de pertença dividida, pois ela, em sua condução ao fim ultimo, leva o homem ao mesmo tempo para o que se denomina reino da perdição e também o reino de Deus.[12]

A compreensão da ambivalência do mundo na história, não pode ser desfigurada. Ela tem a função de comunicar que ao mesmo tempo o mundo goza de duas pertenças.  A função do diabo aqui se interpreta com caracteres da não valorização do homem como pessoa humana e merecedor de dignidade. Na interpretação da expressão de Jesus a respeito dos pobres deste mundo, que sempre existirão, não é no aspecto de uma classe social apenas que se verifica a constatação de Jesus, “são os homens que necessitam de outrem para subsistência, quaisquer que sejam a natureza, a origem e a causa da indigência.”[13]

 O desejo, portanto, é estabelecer uma busca de amor aonde se encontrarem pessoas em opressão, pois ao que se diz da ambivalência fatal da cidade temporal diz-se que o cristão deve esforçar-se a cada instante numa realização neste mundo das verdades evangélicas. Um estado de tensão e de guerras será sempre importante, pois ao que se propõe o cristão, nunca será suficiente transfigurar e progredir às condições de vida e nessa condição é que a história temporal prepara enigmaticamente a sua finalidade, ou seja, o fim a que deseja chegar.[14]

Quanto do estabelecimento da verdade do que foi dito aqui, verifica-se que o fim do cristão, quanto àquilo que ele se propõe na cidade temporal, não se especifica em “fazer do próprio mundo a cidade de Deus, é antes fazer deste mundo, segundo o ideal histórico reclamado pelas diferentes eras e, [...] pelas suas mutações a sede de uma vida terrestre verdadeiramente e plenamente humana.” [15] Assim se perceberá uma riqueza de amor, de uma sociabilidade justa, de uma pessoa humana enxergada como tal e de uma fraternidade amorosa, tudo isso em virtude da preparação do “advento do reino de Deus de maneira filial e não servil.”[16]





Referencias bibliográficas:
MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. Companhia Editora Nacional: São Paulo. 5 ed. Trad: Afrânio Coutinho. 1965, p.79-88.
ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Martins fontes: São Paulo. p. 949.
Sugestão de leitura:
SAMPAIO, Laura Fraga de Almeida. Intuição na filosofia de Jacques Maritain. Loyola: São Paulo. 1997.






* Aluno do curso de filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza.
[1] MARITAIN, Jacques. Humanismo Integral. p. 80-81.
[2] Cf.: Idem. p. 82.
[3] Cf.: Idem. p. 82.
[4] Termo que significa “visão de Deus” usado por Scotus Erigena (sec. IX) para indicar o mundo como manifestação de Deus através do amor. Segundo ele, esse termo designa o processo de descida de Deus ao homem através da criação e de retorno do homem a Deus através do amor. (Cf.: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 949.)
[5] O termo teocracia designa um regime político em que o governo é exercido pela casta sacerdotal, deste modo constitui-se como um regime político de supremacia eclesiástica. (Cf.: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 949.)  
[6] MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. p. 83.
[8] MARITAIN, Jacques. Humanismo integral. p. 85.
[9] Idem. p. 85.
[10]Idem. p. 86.
[11]Idem. p. 86.
[12] Cf.: Idem. p. 87.
[13]Idem. p. 87.
[14] Cf.: Idem. p. 88.
[15] Idem. p. 88.
[16] Idem. p. 87.

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