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domingo, 14 de outubro de 2012

O pacto das catacumbas


Francisco de Aquino Júnior*

No dia 11 de setembro de 1962, um mês antes da abertura do Concílio Vaticano II, o papa João XXIII enviou uma mensagem ao mundo. Nela, fala de Jesus como “luz” e da missão da Igreja de “irradiar” essa luz no mundo; fala da preocupação e responsabilidade da Igreja com esses problemas; e fala da contribuição que o Concílio poderia oferecer para a solução dos mesmos - contribuição fundada “na dignidade do ser humano e em sua vocação cristã”. E, aqui, passa a indicar alguns pontos importantes: a igualdade de todos os povos no exercício dos seus direitos e deveres, a defesa da família e a responsabilidade social. Neste contexto, João XXIII acrescenta o que considera “outro ponto luminoso”: “Pensando nos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos, em particular, a Igreja dos pobres”. 

Comentando esta afirmação, o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez destaca três ideias importantes. Em primeiro lugar, a igreja é pensada em relação com os pobres e com os países pobres. Em segundo lugar, o texto estabelece os termos de uma relação tensa, mas fundamental na Igreja: universalidade da salvação (Igreja de todos) – parcialidade ou predileção na realização histórica da salvação (Igreja dos pobres). Em terceiro lugar, a Igreja aparece como uma realidade em processo, não acabada: “é e quer ser”.
A afirmação do papa teve muita repercussão em um grupo de bispos que ficou conhecido como “Igreja dos Pobres” e que no final do Concílio assumiu um compromisso com a pobreza e o serviço aos pobres, firmando o chamado “Pacto das Catacumbas”. Entre eles estavam dois cearenses: um de nascimento (dom Hélder Câmara) e um de missão (Dom Fragoso). Esses bispos trabalharam muito para que os pobres recuperassem na Igreja o lugar central que tinham na vida e missão de Jesus: “É nosso dever colocar no centro deste Concílio o mistério de Cristo nos pobres e a evangelização dos pobres” (Cardeal Lercado de Bolonha); “O primeiro lugar na Igreja é reservado aos pobres” (Charles-Marie Himmer, bispo de Tournai).
Apesar da importância e da repercussão desse grupo, ele não alcançou o que esperava do Concílio: que a Igreja, que é de todos, fosse, sobretudo, dos pobres. Talvez fosse muito para um Concílio dominado pelas Igrejas do primeiro mundo, Igrejas inseridas no mundo da riqueza e, em grande medida, aliadas aos ricos e poderosos. Mas a semente foi lançada pelo bom e santo papa João XXIII!

Medellín
Três anos depois, na Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín (1968), a semente germinou e começou a crescer e produzir muitos frutos. Nascia uma Igreja profética, pobre e comprometida com os pobres; Igreja de todos, mas, sobretudo, Igreja dos pobres; Igreja da libertação. Sua característica mais importante foi e continua sendo o que se convencionou chamar “opção preferencial pelos pobres”.

 Aos poucos, a Igreja foi re-descobrindo e re-assumindo algo que era fundamental e central na vida e na missão de Jesus, algo que nunca se perdeu completamente na vida da Igreja, mas que tinha perdido centralidade e relevância em uma Igreja seduzida pelo poder e pela riqueza, tantas vezes aliada dos ricos e poderosos. Uma parcela cada vez maior da Igreja (do simples fiel e da liderança comunitária a religiosos/as, presbíteros, bispos, cardeais; de pessoas isoladas a paróquias, dioceses e até conferências episcopais), passa a assumir, por causa do Evangelho de Jesus Cristo, a causa dos pobres e oprimidos. E de muitas formas: defendendo seus direitos, denunciando as injustiças que se cometem contra eles, apoiando e até participando de suas lutas e organizações. Muitos chegaram a ser perseguidos, caluniados, torturados e até martirizados por causa dos pobres. São mártires da justiça do Reino de Deus, mártires dos pobres – como Jesus!
Certamente, não é essa a Igreja que está na mídia, que dá ibope, que arrasta multidões... Os pobres são sempre os últimos – até nas igrejas que sempre têm coisas mais “importantes” e “urgentes” para fazer que cuidar dos caídos à beira do caminho (Lc 10, 25-37). Mas essa é a Igreja de Jesus Cristo e ela continua viva e atuante como “fermento”, “sal” e “luz” da justiça do Reino neste mundo. Ela se faz presente em muitas comunidades e grupos que vivem a fraternidade e a solidariedade, que denunciam e se enfrentam com as mais diferentes formas de injustiça, opressão, preconceito e discriminação, que apoiam e participam das lutas dos pobres e oprimidos na defesa e conquista de seus direitos, que criam serviços e estruturas de apoio e defesa dos pobres e fracos como as pastorais sociais (terra, indígena, povo da rua, menor, criança, idoso, carcerária, mulher, caritas etc.) e, enfim, que anunciam com a palavra e com a vida que Deus é “Deus dos humildes, socorro dos pequenos, protetor dos fracos, defensor dos desanimados, salvador dos desesperados” (Jt 9, 11) e que “religião pura e irrepreensível aos olhos de Deus Pai consiste em cuidar de órfãos e viúvas em suas necessidades e em não deixar-se contaminar pelo mundo” (Tg 1, 27).
*Doutor em teologia pela Westfäalische Wilhelms-Universität de Münster (Alemanha), professor da Faculdade Católica de Fortaleza e padre da Diocese de Limoeiro do Norte.

Fonte: Jornal O Povo

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