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domingo, 14 de outubro de 2012

A igreja "vermelha"


Sara Maia
RELIGIOSOS LIGADOS ÀS IDEIAS da Teologia da Libertação falam do compromisso e das dificuldades da ação pastoral ao lado dos pobres. Caso do italiano Maurizio Cremaschi e do (quase padre) Thiago Valentino


Maurízio   67, é conterrâneo de Ângelo Roncalli. Nasceu em Bergamo, no norte da Itália, onde o “papa bom”, idealizador do Concílio Vaticano II, iniciou sua carreira eclesial como secretário particular do então bispo da província italiana. A coincidência é lembrada pelo próprio padre, que por outra afinidade – esta em nível espiritual, pode-se dizer – com João XXIII mora desde o final da década de 1970 em Tauá, no Sertão dos Inhamuns. Seminarista em Roma à época do encerramento do concílio, Maurízio comungava com a ideia de uma “Igreja dos Pobres”, atento inclusive às notícias sobre a igreja latino-americana que chegavam pela imprensa especializada. 

Cremaschi (ao lado) e Valentino (abaixo): a igreja dos pobres não é paralela, mas a presença é conflituosa

“A literatura que chegava à Itália era possivelmente mais completa do que a que circulava nas comunidades nesse tempo de fechamento da ditadura no Brasil”, considera. “Me senti em consonância com a experiência das comunidades eclesiais de base no Brasil, em particular no Nordeste”. Na época, ele também teve oportunidade de se encontrar em Roma com Dom Hélder Câmara e Dom Antônio Fragoso, dois bispos brasileiros presentes ao concílio e muito atuantes. Foi ao lado do segundo que passou a trabalhar em 1979, quando chegou a Crateús para reforçar a experiência de Dom Fragoso à frente da recém-criada diocese, marcada pelo diálogo igualitário com os moradores da região e inclinada às suas lutas sociais.

“Quem não teve essa experiência, não sabe o que significa, e às vezes nem acredita que aconteceu mesmo. Uma diocese onde um bispo se põe em posição de escuta passa horas ouvindo os camponeses sem querer ser um intermediário entre os podres e o poder, mas sim fazer com que os pobres sejam sujeitos”, lembra o padre italiano.

A experiência do paraibano Dom Fragoso (1920-2006) no Ceará, que durou de 1964 a 1998, ainda hoje é lembrada como uma das mais emblemáticas da Teologia da Libertação e do compromisso firmado por 40 padres conciliares no chamado Pacto das Catacumbas, do qual foi um dos signatários em Roma dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II. O ministério pastoral de Dom Fragoso legou até hoje a tradição de uma igreja ao lado dos pobres na região, como ainda hoje testemunham a atuação de padre Maurízio e irmã Ailde de Oliveira.

Natural de Juazeiro, a irmã Ailde, 71, chegou a Crateús para administrar uma escola que sua congregação, as Filhas de Santa Teresa, mantinha na cidade. Pela visão que aliava a fé cristã ao compromisso social, ela e suas colegas chegaram a ser apelidadas por parte da sociedade de “as irmãs vermelhas”, em referência à ideologia comunista em plena Ditadura Militar.

Ao longo dos anos, a experiência dela se estendeu por outros municípios da região e para a luta em favor dos trabalhadores do Sertão dos Inhamuns, que sofriam com a falta de terras para trabalhar, reféns do alto preço que latifundiários cobravam pelo arrendamento. “Só os Feitosa tinham quase metade de Parambu. Tinha propriedades em que era proibido a gente entrar, mesmo pra fazer a celebração da palavra, porque achavam que a gente ia esclarecer os trabalhadores”, conta.
Ailde também enfrentou o conservadorismo e preconceito da sociedade ao incentivar as prostitutas a quebrarem o isolamento social, levantando suas autoestimas. “Antes quando eu chegava lá elas diziam:‘no tempo que eu era gente....’”.
  
Pastorais

Morando até hoje no Sertão dos Inhamuns, os dois passaram por Fortaleza esta semana para participar da 5º Semana Social, um evento que reuniu padres, leigos, líderes comunitários e militantes dos mais diversos movimentos sociais para discutir o impacto de grandes empreendimentos econômicos no interior do Ceará – em sua maioria, conflitos de terra entre poderosas empresas e pequenas comunidades de pescadores, índios, entre outros.

Na organização da semana, Thiago Valentino, 28, foi outro que suspendeu suas viagens pela interior em razão do evento. Coordenador da Pastoral da Terra no Ceará, ele nasceu em Madalena, numa paróquia que, na época de sua juventude, tinha uma forte presença das Comunidades Eclesiais de Base. A opção pela Teologia da Libertação lhe rendeu a experiência com várias delas por todo o Ceará e uma não-ordenação como padre.

“Fui mandado embora um ano antes de me ordenar”, conta. No Seminário da Diocese de Quixadá, lhe disseram, segundo ele, que deveria trabalhar no “sindicato” e que “não tinha cara de padre”. “Está cada vez mais escasso esse perfil. 99% dos seminaristas são da Renovação Carismática”, afere. E completa: “A Igreja dos Pobres não é uma igreja paralela, mas a presença é conflituosa”. (Pedro Rocha)

DOM FRAGOSO

MEMÓRIA

A experiência do paraibano Dom Fragoso (1920-2006) no Ceará, que durou de 1964 a 1998, ainda hoje é lembrada como uma das mais emblemáticas da Teologia da Libertação e do compromisso firmado por 40 padres conciliares no chamado Pacto das Catacumbas, do qual foi um dos signatários em Roma dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II.

Fonte: Jornal O Povo

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